“Ronda”
Assim
como a neve que cobria os telhados das casas da Rua Sorieneflas não dava
indícios de derretimento, os habitantes daquela região já não tinham tanta
esperança de que aquele frio que o meteorologista havia dito ser passageiro
fosse ir embora num espaço de tempo tão curto. Em situações como estas, os mais
desprovidos de ocupações costumavam se reunir no bar do velho Jirgles, para
jogar conversa fora e beber alguma coisa.
Embora
há muito não morassem ali, o que sobrou duma fábrica daquele povoado ainda era
chamado de “Eckenbarg”, exatamente o nome que tinha o antigo proprietário do
que há muito foi uma fábrica de tecidos.
A
verdadeira história da tragédia, ninguém sabia realmente qual era, pelo fato de
ter sido repassada tantas e tantas vezes, de boca em boca, e quando faltavam
assuntos nos bares do povoado, as pessoas ainda costumavam a citar a triste
história da família Eckenbarg, criando uma nova versão, de acordo com o nível
de embriaguez.
O
ano era o de 1896, e o povoado de Village Town, era conhecido pela grande Fábrica
de Tecidos, do Sr. Eckenbar, que nunca pôde ser chamado de homem sociável, ele
sempre foi homem de poucas palavras.
Na fábrica, trabalhava no mínimo, 40 mulheres, que para
quem perguntava, o Sr. Eckenbarg costumava dizer que era o segredo do seu
sucesso: o carinho de suas funcionárias.
O Sr. Eckenbarg costumava levar sua única filha, Susan,
de sete anos, para a fábrica aos sábados, e enquanto as costureiras costuravam,
e o Sr. Eckenbarg fechava acordos, a doce Susan brincava entre as saias das
costureiras, fingindo ser estilista, perdidas em fantasias e sonhos nunca
realizados.
Porém,
o que Susan nunca entendeu o porquê, era que sempre tinha um compromisso e
precisava sair da fábrica em horário de trabalho (normalmente isso ocorria no
final da tarde), o Sr. Eckenbarg fazia algo muito estranho, mas que ninguém
exceto ele e sua filha sabiam: Sr. Eckenbarg chamava aquilo de ronda. Era o momento em que ele passava
pelas grandes portas de ferro da fábrica que dava no grande pátio, onde as
costureiras trabalhavam, trancando todas as portas com grandes cadeados. Ele
assegurava Susan com um sorriso no rosto: “Isso é apenas garantia para que
ninguém vá embora antes do fim do trabalho”.
Mas tudo mudou no dia 8 de março de 1897, quando no final
de uma tarde de sábado, enquanto todos trabalhavam na fábrica, (ninguém nunca
descobriu exatamente o motivo), houve um incêndio dentro do grande pátio, onde
trabalhavam as costureiras.
Ao
ouvir o alarme, em poucos minutos, o Sr. Eckenbarg chegava, e fora do prédio, a
multidão já formada, podia ouvir os gritos que vinham das grandes janelas
quadradas. Os bombeiros foram chamados, em pouco tempo a fábrica estava sendo
invadida por eles, mal sabendo que seriam inúteis.
Sr.
Eckenbarg ficou ali na porta esperando, seus olhos desfocados, esperando, mas
nada. Aqueles foram os minutos mais angustiantes de todos os moradores do
povoado de Village Town.
As
chamas já subiam junto às cinzas que eram arrebatadas com uma violência
tremenda pelas janelas. O céu daquele 8 de março ficou aterrorizantemente
vermelho, era um clarão que podia ser visto de muito longe. A correria, o
barulho das sirenes dos bombeiros chegando, os gritos de desespero, nada chegavam
aos ouvidos do Sr. Eckenbarg, pois ele estava muito distante daquilo tudo.
Os Bombeiros saíram gritando: “Está trancada, está
trancada!”
Já
tinham tentado avistar rostos ou silhuetas das funcionárias, Susan... Mas o que
antes foi uma imensa tecelagem era agora uma bola de escombros e cinzas. Nunca
mais a fábrica, nunca mais os olhos de Susan.
Parado
ali, o Sr. Eckenbarg ainda podia lembrar de destrancar as portas, abrir a
fábrica, sentir o cheiro do verniz dos tapetes empoeirados, sair da fábrica e...
Naquele dia, tudo voava pelo céu, como suas lembranças... Ele esperou, mas
ninguém se salvou, ninguém mais conseguiu sair. Mais aquilo não era possível,
ele ia entrar lá, ele precisava, o fogo estava acabando... Sua mente girava, o
ar ficou rarefeito, uma sensação de morte fez saltar seu coração. Tudo ia
ficando distante, quando, então, sentiu uma mão agarrar seu braço e te puxar
para longe... Foi ficando fraco, tudo era escuridão e ele já não tinha poder
sobre si mesmo.
Os
poucos que tiveram coragem de visitar o Sr. Eckenbarg para o lugar onde ele foi
sempre diziam que ao entrar no manicômio: “... a sanidade se esvai por entre as
portas da loucura.”
Sr.
Eckenbarg acordou alguns dias depois em uma cama hospitalar.
Depois de muitas visitas, os loucos daquele lugar já
pareciam calmos, se comparados com a primeira vez que fui até lá. O Sr.
Eckenbarg, no entanto, não parecia dar sinais de melhora. Desde a noite do
incêndio, tinha os olhos fixos e distantes, imóveis como o resto de seu corpo,
porém, com um ar sofrido, coisa que ninguém parecia saber interpretar.
Muitos pensavam que era por causa do prejuízo, mas não
era isso... Foi sempre eu, desde criança, que acompanhei o Sr. Eckenbarg, desde
criança, o que meu pai chamava de “ronda”. Ele sempre achou normal trancar os
funcionários, dizia que tudo estava em segurança, tudo estava... Até aquela noite.
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